Por muito tempo pensei que a
minha raiva o libertaria, e a sentia, muito forte dentro de mim, imaginando que
através dela, os seus sentimentos ruins seriam remediados. Pensei que da minha
dor, seu sofrimento diminuiria, e julguei poder senti-los sozinha imaginando
que você esqueceria os seus.
Durante todo esse tempo eu cultivei
problemas meus, seus e nossos, revivi-os tentando achar um caminho para ninguém
mais os ter, imaginando que se eu adotasse todos eles, você não mais os teria. Eu
cometi erros dantescos com a intenção de cometê-los julgando que você não só os tomaria
como lição, mas também, jamais, erraria.
Por muito mais tempo, eu
continuei errando. Errei por amar muito e por não saber amar, numa dicotomia
louca dentro do angustiante paradoxo do amor, e pensei que a minha
imparcialidade o faria muito amado.
Por muitos anos senti um rancor
imenso de quem te fazia mal, e julguei que o meu ódio poderia suprimir o seu e
que assim você os perdoaria. Eu amargurei minha alma achando que poderia proteger
a sua. Durante muito tempo imaginei que os meus esforços poderiam mudar o mundo,
o seu mundo.
Eu abriguei meus sonhos no peito,
mas nas ações, nenhuma das palavras sonhadas foram ditas. Eu briguei com a
realidade, eu suprimi a verdade, eu tive a pretensão de fazer o bem, julgando saber
fazê-lo, e esquecendo-me que de que ele não existe em absoluto.
Por muito tempo eu achei que
teria muito tempo, e ao tentar me encontrar em você, ou alguma parte de mim que
fosse sua, eu percebi que perdi todo o tempo.
Em apenas um minuto eu deixei de
pensar, e vi que os olhos enganam. A pele se descolou do meu corpo e minha alma
caiu ao chão, inanimada; num desencontro repentino de corpos alheios e sentimentos
perdidos na rouquidão do mundo. Descobri a pessoa que deixei de ser,
desamparada na memória do que não aconteceu. Vesti ao corpo o vazio do que
imaginava crer, sem querer, sozinhos, sabendo apenas agora que o que se imagina
não passa do excremento das lembranças do que nunca será vivido.